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Telemedicina: conquista a ser preservada

11 de setembro 2020 Paulo Araripe Jr.

Continuação da realização de consultas remotas no país a partir de 2021 depende de regulamentação definitiva

Lei atual não permite telemedicina após pandemia

É difícil dizer que uma pandemia tão severa como a causada pelo Sars-CoV-2 possa ter algum efeito positivo. Mas, ao se defrontar com desafios do novo coronavírus, sistemas de saúde em todo o mundo têm buscado e dado respostas capazes de transformar, para melhor, a forma de prover assistência e cuidados aos pacientes daqui em diante. Um desses exemplos é o da telemedicina.

O fenômeno é global. Em poucos meses, o atendimento remoto avançou o que não avançara em anos. Praticamente metade dos americanos já usa a telemedicina como primeira opção de consulta, assim como os ingleses.

No Brasil, não tem sido diferente. O total de consultas a distância na rede privada já se aproxima de 2 milhões neste ano. E bastante em relação à realidade anterior à pandemia, mas quase nada peito do que ainda é possível alcançar – no ano passado, a saúde suplementar realizou 277,5 milhões de consultas.

O caminho para a expansão está aberto. As desconfianças que existiam têm se dissipado rapidamente e a telemedicina caiu no gosto popular: tanto médicos, quanto pacientes têm percebido que ganham com ela. Tem sido importante na pandemia paia manter prestadores em atividade, recebendo pelos serviços. E um avanço que não pode sofrer riscos de retrocesso, em beneficio, inclusive, do SUS.

Poucos têm se dado conta, porém, que a telemedicina ainda não é uma conquista assegurada definitivamente aos brasileiros. A modalidade está em vigor no País com base em regulamentação de caráter excepcional, de forma temporária e emergencial. Ou seja, tal como existe hoje, a telemedicina só poderá ser oferecida à nossa população enquanto perdurar a pandemia da covid-19.

O desafio agora é, portanto, caminhar rapidamente para uma regulamentação definitiva que consolide esta importante inovação para a saúde de 210 milhões de pessoas. De acordo com decisão recente tomada pelo Congresso Nacional, o papel de determinar como a telemedicina poderá ser praticada no Brasil após o fim da pandemia caberá ao Conselho Federal de Medicina (CFM).

“Esperamos que o CFM tome uma decisão no sentido de ratificar e aprimorar algo que já é uma realidade, adequada aos avanços da tecnologia e aos anseios da população. A telemedicina é um bom caminho sem volta. Uma modernização que precisa agora ser preservada e garantida aos brasileiros”, avalia Vera Valente, diretora executiva da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar).

A experiência recente tem demonstrado que a telemedicina é instrumento crucial para a ampliação de acesso à saúde de qualidade. Num país de dimensões continentais como o Brasil, permite consultas a quem, de outra forma, teria dificuldade de estar diante de um médico. Em síntese, proporciona prevenir doenças, evitar agravamentos de saúde e, acima de tudo, salvai’vidas.

Realizada de maneira segura e responsável, a telemedicina não vem para substituir o atendimento presencial, mas para coexistir. Caberá ao médico sempre avaliar quando e como ela é a melhor alternativa e ao paciente fazer a escolha entre atendimento remoto ou presencial. “A telemedicina não vai apenas cuidar de doença, mas cuidar da gestão de saúde e estilo de vida, e evitar que pessoas saudáveis fiquem doentes”, analisa Chao Lung Wen, chefe da disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da USP. “E também um método importante de logística para otimizar o uso da infraestrutura de saúde existente.”

Na regulamentação definitiva da atividade, será importante observar alguns cuidados. Um deles é garantir a proteção, a preservação e o sigilo dos dados relacionados às consultas, para assegurar a privacidade e a inviolabilidade da relação entre pacientes e prestadores – e, assim, preservar a confiança entre eles. Regras de remuneração devem ser estipuladas, como nas consultas presenciais, diretamente entre prestadores e contratantes.

Especialistas também sugerem que a regulamentação do CFM iniba práticas médicas que possam banalizar a telemedicina e pôr em risco a saúde dos pacientes. Do lado acadêmico, a preocupação é com a oferta de formação específica para estudantes de Medicina.

E preciso ter claro que não é qualquer oferta de atendimento remoto, digital que caracteriza a assistência ao paciente por telemedicina. Esta deve ser continuada, perene e sistêmica, como fazem, por exemplo, os planos de saúde. A telemedicina já mostrou que pode ser aliada num sistema em que os recursos são cada vez mais escassos, que luta contra ineficiência e custos crescentes, em busca de um modelo mais sustentável que atenda melhor a população.

Projetos buscam garantir acesso a distância

A legislação sobre telemedicina em vigor no Brasil data de 2002. Desde então, houve uma tentativa de atualização da norma em 2019, mas o Conselho Federal de Medicina a revogou logo em seguida, diante da resistência de parte da classe médica.

A autorização atual, dada por meio da portaria n- 467 do Ministério da Saúde e ratificada com a lei federal n213.989, vale apenas durante a pandemia, em caráter excepcional. Sem uma regulamentação permanente, o Brasil corre risco de ficar na contramão do resto do mundo, sem dispor desta inovadora modalidade.

Existem vários projetos de lei no Congresso Nacional que buscam garantir a continuidade da telemedicina no País após a pandemia. Tramitam, até o momento, 138 propostas versando sobre telemedicina na Câmara dos Deputados e 10 no Senado Federal.

No setor de saúde, avalia-se que o ideal é termos uma regra geral e abrangente, que não seja muito detalhada e, sobretudo, ofereça segurança jurídica a prestadores, pacientes, contratantes e operadoras de planos de saúde.

0 importante é não correr o risco de travar o desenvolvimento da telemedicina no País – como tudo que envolve tecnologia e modernização, este é um campo de atividade sujeito a mudanças rápidas, constantes e intensas.

Referência: Estado de São Paulo