A tragédia oculta
24 de fevereiro 2021 Paulo Araripe Jr.
Coronavírus avança por médias e pequenas cidades e leva sistemas de saúde ao colapso.
Médicos de pequenas e médias cidades do País estão tendo de tomar uma das mais dramáticas decisões no exercício da profissão: escolher quem receberá socorro nos hospitais e quem não será atendido. O aumento descontrolado dos casos de covid-19 tem levado ao colapso o sistema de saúde desses municípios. Em muitos casos, os profissionais de saúde, na verdade, devem decidir quem vive e quem morre.
Não se chega a um estado de calamidade como esse sem uma inacreditável sucessão de erros. A situação do Brasil é a pior possível. Contribuíram para este resultado o descaso e a incompetência do presidente Jair Bolsonaro e de seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a disseminação descontrolada de uma nova cepa do coronavírus identificada em Manaus, a variante P.1, potencialmente mais contagiosa, e o comportamento descuidado de muitos cidadãos que, seguindo o mau exemplo do presidente Bolsonaro, insistem em menosprezar as medidas de proteção preconizadas pelas autoridades sanitárias.
O aumento expressivo dos casos que necessitam de internação tem provocado filas de espera por vagas de UTI nos pequenos e médios municípios do interior e uma “corrida” das equipes médicas para dar alta aos pacientes muito graves, não porque estes se recuperam, mas para liberar seus leitos para que pacientes gravíssimos sejam atendidos.
A situação desesperadora foi relatada ao Estado por médicos, secretários municipais de Saúde, pacientes e familiares. Em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, pacientes de covid-19 ocupam 95% dos leitos de UTI da cidade. Em Monte Carmelo, também em Minas Gerais, há mais de um mês todos os 16 leitos de UTI da cidade são ocupados por pacientes com o novo coronavírus. O prefeito Paulo Rocha (PSD) chegou a publicar vídeos nas redes sociais pedindo doação de cilindros de oxigênio para o Hospital Alberto Nogueira, o único a tratar da covid-19.
Em Maringá, no Paraná, a ocupação dos leitos de UTI do Hospital Universitário, referência na região, está em 100% há semanas seguidas. “Antes da pandemia, tínhamos 8 leitos de UTI. Abrimos 20 novos leitos. Para um hospital do nosso porte, o aumento é absurdo. A linha entre a superlotação e o colapso é muito tênue”, disse Edvaldo Vieira de Campos, coordenador da UTI da unidade.
Cidades do interior de São Paulo, o Estado mais rico da Federação e, portanto, o mais capacitado para dar combate à pandemia, também vivem a agonia da falta de leitos. Na segunda-feira passada, o Estado atingiu o pico de internações desde o início da pandemia. Em Araraquara, que há dias consecutivos registra novos casos da variante P.1, as UTIS estão lotadas. A prefeitura decretou lockdown. Em Jaú, onde a variante brasileira também já circula sem controle, a capacidade de atendimento está bem aquém da demanda.
Esses são apenas alguns poucos exemplos que vieram a público. O Brasil tem 5.570 municípios. Não é improvável que, sem receber a mesma atenção dada às grandes cidades do País, muitos pequenos e médios municípios estejam vivendo uma tragédia oculta.
O Ministério da Saúde tem o dever de mapear a situação dos sistemas de saúde em todo o País e coordenar os esforços para que cada um deles esteja apto a prestar atendimento a todos os que a eles acorram. Deve providenciar leitos onde eles estão faltando. Garantir o suprimento de oxigênio para que não se repita o horror dos manauaras. Comprar insumos e medicamentos para que não faltem nos hospitais e postos de saúde. E, sem mais delongas, trabalhar para trazer ao Brasil vacinas em quantidade necessária para imunizar toda a população. A solução para o flagelo da covid-19 é a vacina.
Países que foram previdentes no planejamento da vacinação de seus cidadãos já observam queda no número de casos graves, internações e mortes, além de experimentar o início de uma recuperação da atividade econômica. Já os brasileiros têm de lidar com a angústia de não só não saber quando serão vacinados, como também não ter a certeza de que encontrarão uma vaga em hospital caso necessitem – situação especialmente grave em cidades que mal têm estrutura de atendimento e que padecem longe dos holofotes.
Referência: Estado de São Paulo