A conta do buraco
03 de fevereiro 2022 Paulo Araripe Jr.
Cratera em SP deve causar batalha judicial
Um dia após o acidente na obra da Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo, a cratera aberta na Marginal Tietê começou a ser coberta com concreto. Os trabalhos de recuperação da pista danificada devem durar até a semana que vem, quando a prefeitura estima liberar totalmente a passagem de veículos na via de maior tráfego na cidade. Enquanto os operários reinstalam o asfalto, uma movimentação deve começar a tomar os bastidores das empresas envolvidas no episódio: a batalha jurídica entre a concessionária Acciona e a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) pela responsabilidade no acidente e nas indenizações a serem pagas.
A pista central da Marginal Tietê, que continua parcialmente bloqueada a partir do ponto do afundamento – entre as pontes do Piqueri e da Freguesia do Ó, no sentido da Rodovia Ayrton Senna – deve ser reaberta até o dia 11, de acordo com o governo de São Paulo. A pista local está interditada e a expressa é a única opção de tráfego por enquanto. A prefeitura suspendeu o rodízio de veículos até amanhã.
– Há duas soluções possíveis. Uma é a colocação de estacas para contenção da pista. Nesse caso, o bloqueio iria até o dia 11. Mas talvez não precise disso e aí teremos uma entrega rápida em até três dias – calculou o secretário de Transportes Metropolitanos, Paulo Galli.
A cratera se abriu após o vazamento de um interceptor de esgoto da Sabesp abalar o terreno e causar a ruptura da pista. A tubulação rompida tem 7,7 quilômetros de extensão, passa por nove bairros e escoa o esgoto produzido por 2,2 milhões de pessoas.
Bolsonaro faz piada
Durante encontro ontem com apoiadores no Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro, adversário político do governador João Doria (PSDB), pré-candidato a presidente, fez piada com o acidente. Bolsonaro comparou a cratera com a transposição do Rio São Francisco, dizendo que o desabamento foi uma “transposição do Tietê”.
Ainda há poucas certezas quanto às consequências da cratera. Uma é o provável atraso de meses, no melhor dos casos, do cronograma dos trabalhos da Acciona, empresa responsável pela obra do metrô. Mas especialistas já dão como certa, também, uma eventual disputa judicial entre a concessionária e a Sabesp, para decidir quem tem responsabilidade pelo acidente e, principalmente, quem deve pagar por seus prejuízos.
Túlio Marques, sócio da consultoria Pezco e especialista do setor de seguros, afirma que a retomada dos trabalhos depende da realização de perícias, especialmente da seguradora contratada pela Acciona.
– Em casos de sinistros complexos como este, a seguradora aciona peritos para apurar a extensão dos danos e suas causas. Contratam, ainda, uma empresa de regulação de sinistros para trabalhar em conjunto com a perícia de engenharia.
A retomada das obras depende ainda de pareceres de órgãos como Defesa Civil e Ministério Público.
– Sem dúvida vai atrasar o cronograma de obras, porque haverá perícias da concessionária, da seguradora, do governo estadual. Sendo otimista, a obra do Metrô só deve ser retomada depois de alguns meses – diz o advogado Rodrigo Campos, sócio do Porto Lauand.
O contrato da parceria público-privada para a construção da Linha 6 foi assinado em 2013 pelo então governador Geraldo Alckmin com o consórcio Mobi, à época formado pelas empreiteiras Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC. Após não conseguir realizar a obra, o governo cancelou a PPP em 2018 e, em 2020, a Acciona assumiu o serviço.
Segundo Campos, o contrato da Acciona prevê que riscos de engenharia de até R$ 30 milhões (em valores de 2013) relacionados a estruturas mapeadas na época do contrato são de responsabilidade da concessionária. O valor hoje chegaria perto dos R$ 50 milhões.
– Quando o contrato original foi assinado, foi feito um cadastro das redes de infraestrutura que pudessem causar interferência na obra. Quando a Acciona entrou, houve um aditivo que faz referência à lista do contrato original. Se o acidente envolve equipamentos cadastrados nessa lista, o risco é assumido pela concessionária – diz Campos.
O contrato atribui à concessionária os riscos resultantes de acidentes relacionados a casos de força maior e imprevisíveis, como excesso de chuvas.
Riscos de engenharia que envolvem situações não cadastradas ou que superem os R$ 30 milhões do contrato inicial seriam assumidos pelo governo estadual.
– Se ficar provado que a causa principal foi um problema no equipamento da Sabesp, a concessionária poderá pedir ressarcimento à empresa de saneamento. A Sabesp também pode acionar seu seguro de responsabilidade civil – explica Túlio Marques.
O governo paulista nomeou um comitê de 20 profissionais das áreas de engenharia, finanças, jurídica e de comunicação para investigar as causas do acidente. O grupo poderá convidar representantes de entidades da administração do estado, da prefeitura e de concessionárias públicas para os trabalhos. A primeira reunião foi na terça-feira.
Autor: Bianca Gomes e Ivan Martínez Vargas
Referência: O Globo