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‘Plano Safra é bom, mas não contempla seguro’

29 de junho 2023 Paulo Araripe Jr.

Roberto Rodrigues – Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV/EESP, foi ministro da Agricultura no 1.º mandato de Lula

Entrevista

“Nunca conseguimos ter mais de R$ 1 bilhão para subvenção ao prêmio de seguros. É uma visão burocrática de quem não sabe o risco que está correndo”

Em um ano de fenômeno climático El Niño, com grandes riscos de quebra de safra, e também de preços agrícolas em trajetória de queda, o Plano Safra, anunciado na segunda-feira, deixou dois pontos descobertos: maior dotação para seguro rural e mais clareza nas regras do financiamento à comercialização da safra.

A opinião é do ex-ministro da Agricultura e professor emérito da Fundação Getulio Vargas (FGV), Roberto Rodrigues. No entanto, de uma forma geral, o ex-ministro observa que a proposta surpreendeu positivamente com volume de recursos 27% maiores em relação ao ano passado e superou a sua expectativa.

Do ponto de vista político, Rodrigues aponta o fortalecimento do ministro da Agricultura Carlos Fávaro, para aprovação de um plano robusto. Ele diz acreditar que o presidente Lula deu passo à frente no relacionamento com o campo ao afirmar na ocasião do anúncio do Plano que não é preciso invadir terra. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o senhor avalia o Plano Safra?

Avalio de forma positiva. Acho que foi uma importante conquista do ministro Carlos Fávaro, que o fortalece na posição do Ministério da Agricultura. Os recursos disponíveis para a agricultura empresarial são quase 27% maiores do em relação ao ano passado. Portanto, é mais do que a inflação. A taxa de juros não é uma taxa agradável, mas também não é maior do que a do ano passado e, em alguns casos, até menor. Alguns programas específicos, como armazenagem ou programas ambientais, têm juros menores do que o convencional. Também é positivo. Não estou dizendo que os juros são bons. Mas o fato de não serem maiores do que os do ano passado são um indicativo interessante. São altos, mas é melhor do que se tivessem sido piores do que os do ano passado.

Como o senhor vê o cenário agro?

Estou um pouco preocupado com a safra do ano que vem. A oferta agrícola cresceu muito no mundo, depois da pandemia e da inflação brutal. Isso abriu caminho no Brasil para uma safra recorde de grãos. Os americanos estão caminhando para a mesma direção. Vejo para o ano que vem uma tendência de preços muito mais baixos. Isso é ruim, porque os custos também caíram bastante, mas não caíram na mesma proporção (dos preços). Podemos ter um desencontro de margem.

O segundo ponto é o câmbio. Compramos os insumos na safra que vamos plantar agora, em setembro, no primeiro semestre deste ano, com um câmbio em torno de R$ 5. Hoje o câmbio já está abaixo de R$ 5. E a expectativa para o ano que vem é de um câmbio mais baixo ainda. Comprar uma safra a um câmbio mais valorizado do que vendê-la é um problema.

O terceiro ponto é o El Niño. Ele é um problema porque afeta de forma diferente as regiões do País, quebrando a produção. Por último tem a questão da gripe aviária. Felizmente, ela não chegou ao Brasil e estamos bem preparados para enfrentá-la. Mas se ela se espalhar pelo mundo todo, pode haver uma redução da demanda por grãos, especialmente milho e soja e os preços podem cair mais ainda. Não estou dizendo que vão acontecer. Mas existe a possibilidade de acontecer, porque essas coisas são cíclicas. Por essa razão, eu insisti muito que nós tivéssemos dois pontos reforçados no plano safra: o seguro rural, o único instrumento capaz de gerar estabilidade de renda no campo, e o financiamento à comercialização.

Neste plano, o seguro não está contemplado?

Não está contemplado. E tem uma notícia em paralelo que, depois do plano anunciado, o órgão responsável pelo orçamento negou o pedido do ministro da Agricultura para dobrar os recursos. Nunca conseguimos ter mais de R$ 1 bilhão para subvenção ao prêmio de seguros. É uma visão burocrática de quem não sabe o risco que está correndo. Um acidente climático muito grave, como houve em 2005, quebra o município. Porque o produtor quebra, não paga o posto de gasolina, a farmácia, o supermercado, o colégio. O efeito dominó é muito grande. O pior de tudo é que no fim do dia o Tesouro é chamado a pagar, prorrogar dívidas. Então a sociedade inteira paga por um prejuízo provocado pelo clima. O seguro rural é um instrumento que acaba com isso. É imperioso que tivessem sido dados à agricultura os recursos de acordo com a demanda. Não deram. É uma falta de visão da vida real.

Qual é o outro ponto falho do Plano Safra?

O segundo ponto é a falta de definição de juros para o financiamento à comercialização. Neste ano, tivemos uma safra muito grande e não tivemos armazém para guardar. Na hora da venda o mercado sabe que ele tem de vender e relaxa o preço. Com isso, o preço do milho despencou, caiu 30%, 50%, dependendo da região, porque o produtor não tinha onde guardar. Embora esse plano tenha contemplado uma boa quantidade de recursos para fazer armazéns, silos, mas isso não se faz de um dia para outro. Portanto, tinha que ter esse mecanismo de financiamento para comercialização com juros definidos.

Esse plano apaziguou o embate do governo com a bancada do agronegócio?

Não sei. Não tenho nenhuma importância na liderança rural. Hoje sou um acadêmico, não tenho liderança para responder pela classe rural. Mas eu penso que ontem, o próprio presidente falou que não precisa invadir terra. Acho que é um passo à frente no relacionamento com o campo. É um sinal, não é uma grande mudança, um sinal melhor do que havia até então. Não tinha sido falado até hoje sobre invasão de terra. Não falei com ninguém para perguntar se gostou ou não gostou. Mas o meu sentimento é de que, de maneira geral, o plano surpreendeu positivamente e, portanto, não há razão para aumentar a queixa. Do ponto de vista político, uma das coisas mais importantes do Plano Safra é o fortalecimento do ministro, que tem feito um trabalho bem-feito.

Autor: Márcia de Chiara
Referência: Estado de São Paulo